A Resolução n° 2.378, do Conselho Federal de Medicina (CFM), publicada em abril deste ano, foi o pivô do Projeto de Lei n° 1904, que tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados. O CFM tentou proibiu que médicos de todo o país realizassem a assistolia fetal para interrupção de gravidez em casos de estupro.
Em Campo Grande, uma adolescente de 17 anos, vítima de abuso sexual, procurou o serviço médico e não conseguiu realizar o aborto legal, devido à decisão do CFM.
O médico ginecologista e obstetra, membro da equipe do Serviço de Atenção ao Aborto Legal e Violência Sexual do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian (HUMAP), Ricardo dos Santos Gomes, relatou que a jovem chegou com idade gestacional maior que 22 semanas de gravidez, e por estar vigente a resolução do Conselho Federal de Medicina, não conseguiu realizar o procedimento legal.
Ricardo relembra que a discussão em torno do aborto legal após 22 semanas de gestação começou com a publicação de uma nota do Ministério da Saúde (MS), que frisava o que já está previsto em lei: que não há idade gestacional para os procedimentos de aborto legal, nem em casos de estupro, anecefalia ou risco de vida materna. Foi depois dessa iniciativa, que o CFM publicou a resolução, mesmo após a retirada da publicação pelo MS, que voltou atrás porque a nota deveria passar por outras instâncias antes de ser publicada.
Um juiz do Rio Grande do Sul entrou com um mandato afirmando que a resolução do CFM era ilegal, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu deixar a decisão do conselho valendo por um tempo, enquanto avaliava a regulamentação.
“E aí essa paciente chegou nesse momento. A gente falou que infelizmente não tinha como fazer o procedimento naquele momento. Eu podia ser cassado e perder meu direito de ser médico, é desse jeito. Aí depois, o ministro do STF falou que realmente era ilegal e tirou a portaria do CFM, e não deu duas ou três semanas que falaram que estava valendo de novo, veio o PL. Então está um cabo de guerra e isso traz inseguranças pra gente”, disse o médico.
A decisão que o Dr. Ricardo comentou foi do ministro Alexandre de Moraes, que, em sua avaliação, pontua que há “indícios de abuso do poder regulamentar por parte do Conselho Federal de Medicina ao limitar a realização de procedimento médico reconhecido e recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e previsto em lei”, esclarece o STF em nota.
“Ao conceder a liminar, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que, aparentemente, o Conselho ultrapassou sua competência regulamentar impondo tanto ao profissional de medicina quanto à gestante vítima de estupro uma restrição de direitos não prevista em lei, ‘capaz de criar embaraços concretos e significativamente preocupantes para a saúde das mulheres’”, relata em matéria publicada o Supremo Tribunal Federal
“Agora, no caso do PL é o risco legal para todo mundo, porque além de criminalizar as meninas, as adolescentes, as mulheres, as pessoas que gestam, também vai criminalizar os profissionais de saúde. Porque se virou crime, ela que cometeu, todo mundo que estiver envolvido vai virar cúmplice. Então, é nesse ponto que a gente está”, pontua o médico e a assistente social, Patrícia Ferreira da Silva.
O Projeto de Lei n° 1904, que prevê que mulheres, sejam elas vítimas de abuso sexual ou não, que realizem aborto após 22 semanas de gestação, responderiam por crime de homicídio simples, e além dessa pessoa, a equipe médica que realizar o procedimento, também responderia pelo mesmo crime.
A pena para homicídio simples varia de seis a 20 anos de prisão, ou seja, a mulher, mesmo que seja vítima de estupro, e o médico, podem ser penalizados em até 20 anos de prisão se a lei for aprovada, o que para a equipe, também é um dos pontos problemáticos do PL.
“Minimizar, falando que vai aumentar a pena do agressor, não muda o fato de você ainda estar penalizando a pessoa que foi vítima. Então, dizer que nós estamos aumentando uma pena, do agressor pra falar que está agora de acordo, não muda o fato de você estar penalizando. Então a questão que eu acho que tem que ser falada não é o aborto, e sim a violência que está sendo feita a essas meninas, mulheres, adolescentes, pessoas que gestam”, comenta a assistente social.
Os profissionais informam que esse Projeto de Lei impactaria principalmente crianças e adolescentes, que em grande parte das vezes descobrem a gravidez tardiamente. Segundo dados do painel de monitoramento de natalidade do governo federal, nos últimos nove anos, 3.436 crianças e adolescentes de até 14 anos de idade tiveram filho em Mato Grosso do Sul.
“Principalmente as adolescentes abaixo de 14 anos, que é recorrente a violência intrafamiliar e, por consequência disso, se descobrem gestantes tardiamente. Por quê? Porque elas estão em evolução no seu corpo, elas não falam pra ninguém, muitas vezes o agressor está dentro de casa, então possui as ameaças verbais e não verbais e que impedem ela de chegar até o serviço de saúde, de assistência social, da própria escola”, expõe Patrícia.
Sendo assim, essas crianças e adolescentes muitas das vezes só chegam ao serviço médico quando a gravidez já aparece em seu corpo, a barriga cresce e alguém nota e descobre o que houve.
Os profissionais que fazem parte da equipe do Serviço de Atenção ao Aborto Legal e Violência Sexual, relatam que nem todas as pacientes decidem realizar a interrupção da gravidez, mas que todas passam pela escuta social, onde são informadas dos seus direitos, para assim, tomar a decisão que quiserem.
“A paciente mulher vítima de violência e que por consequência veio a gestar, seja criança, adolescente, pessoas que gestam, mulheres adultas, mas que passaram por essa situação, agendam o atendimento conosco, pelo telefone 3345-3090, para ser realizado um acolhimento. Então cada entrevista nossa, por base, demora em torno de quase uma hora, então por isso que esses agendamentos são extremamente importantes”, explica a assistente social.
O acolhimento é feito de maneira que não revitimize a vítima, e sim ouça sem julgamentos essa mulher, que está procurando o serviço de saúde. Em caso de decisão pelo procedimento de aborto legal, é assinado uma série de termos, que estão dentro do protocolo de atendimento nesses casos.
Esse ano, o HU realizou 17 interrupções de gravidez legal, devido à casos de estupro, sendo desses, duas menores de idade, uma adolescente de 13 anos e outra de 15 anos.
Fonte: Correio do EstadoA Resolução n° 2.378, do Conselho Federal de Medicina (CFM), publicada em abril deste ano, foi o pivô do Projeto de Lei n° 1904, que tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados. O CFM tentou proibiu que médicos de todo o país realizassem a assistolia fetal para interrupção de gravidez em casos de estupro.
Em Campo Grande, uma adolescente de 17 anos, vítima de abuso sexual, procurou o serviço médico e não conseguiu realizar o aborto legal, devido à decisão do CFM.
O médico ginecologista e obstetra, membro da equipe do Serviço de Atenção ao Aborto Legal e Violência Sexual do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian (HUMAP), Ricardo dos Santos Gomes, relatou que a jovem chegou com idade gestacional maior que 22 semanas de gravidez, e por estar vigente a resolução do Conselho Federal de Medicina, não conseguiu realizar o procedimento legal.
Ricardo relembra que a discussão em torno do aborto legal após 22 semanas de gestação começou com a publicação de uma nota do Ministério da Saúde (MS), que frisava o que já está previsto em lei: que não há idade gestacional para os procedimentos de aborto legal, nem em casos de estupro, anecefalia ou risco de vida materna. Foi depois dessa iniciativa, que o CFM publicou a resolução, mesmo após a retirada da publicação pelo MS, que voltou atrás porque a nota deveria passar por outras instâncias antes de ser publicada.
Um juiz do Rio Grande do Sul entrou com um mandato afirmando que a resolução do CFM era ilegal, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu deixar a decisão do conselho valendo por um tempo, enquanto avaliava a regulamentação.
“E aí essa paciente chegou nesse momento. A gente falou que infelizmente não tinha como fazer o procedimento naquele momento. Eu podia ser cassado e perder meu direito de ser médico, é desse jeito. Aí depois, o ministro do STF falou que realmente era ilegal e tirou a portaria do CFM, e não deu duas ou três semanas que falaram que estava valendo de novo, veio o PL. Então está um cabo de guerra e isso traz inseguranças pra gente”, disse o médico.
A decisão que o Dr. Ricardo comentou foi do ministro Alexandre de Moraes, que, em sua avaliação, pontua que há “indícios de abuso do poder regulamentar por parte do Conselho Federal de Medicina ao limitar a realização de procedimento médico reconhecido e recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e previsto em lei”, esclarece o STF em nota.
“Ao conceder a liminar, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que, aparentemente, o Conselho ultrapassou sua competência regulamentar impondo tanto ao profissional de medicina quanto à gestante vítima de estupro uma restrição de direitos não prevista em lei, ‘capaz de criar embaraços concretos e significativamente preocupantes para a saúde das mulheres’”, relata em matéria publicada o Supremo Tribunal Federal
“Agora, no caso do PL é o risco legal para todo mundo, porque além de criminalizar as meninas, as adolescentes, as mulheres, as pessoas que gestam, também vai criminalizar os profissionais de saúde. Porque se virou crime, ela que cometeu, todo mundo que estiver envolvido vai virar cúmplice. Então, é nesse ponto que a gente está”, pontua o médico e a assistente social, Patrícia Ferreira da Silva.
O Projeto de Lei n° 1904, que prevê que mulheres, sejam elas vítimas de abuso sexual ou não, que realizem aborto após 22 semanas de gestação, responderiam por crime de homicídio simples, e além dessa pessoa, a equipe médica que realizar o procedimento, também responderia pelo mesmo crime.
A pena para homicídio simples varia de seis a 20 anos de prisão, ou seja, a mulher, mesmo que seja vítima de estupro, e o médico, podem ser penalizados em até 20 anos de prisão se a lei for aprovada, o que para a equipe, também é um dos pontos problemáticos do PL.
“Minimizar, falando que vai aumentar a pena do agressor, não muda o fato de você ainda estar penalizando a pessoa que foi vítima. Então, dizer que nós estamos aumentando uma pena, do agressor pra falar que está agora de acordo, não muda o fato de você estar penalizando. Então a questão que eu acho que tem que ser falada não é o aborto, e sim a violência que está sendo feita a essas meninas, mulheres, adolescentes, pessoas que gestam”, comenta a assistente social.
Os profissionais informam que esse Projeto de Lei impactaria principalmente crianças e adolescentes, que em grande parte das vezes descobrem a gravidez tardiamente. Segundo dados do painel de monitoramento de natalidade do governo federal, nos últimos nove anos, 3.436 crianças e adolescentes de até 14 anos de idade tiveram filho em Mato Grosso do Sul.
“Principalmente as adolescentes abaixo de 14 anos, que é recorrente a violência intrafamiliar e, por consequência disso, se descobrem gestantes tardiamente. Por quê? Porque elas estão em evolução no seu corpo, elas não falam pra ninguém, muitas vezes o agressor está dentro de casa, então possui as ameaças verbais e não verbais e que impedem ela de chegar até o serviço de saúde, de assistência social, da própria escola”, expõe Patrícia.
Sendo assim, essas crianças e adolescentes muitas das vezes só chegam ao serviço médico quando a gravidez já aparece em seu corpo, a barriga cresce e alguém nota e descobre o que houve.
Os profissionais que fazem parte da equipe do Serviço de Atenção ao Aborto Legal e Violência Sexual, relatam que nem todas as pacientes decidem realizar a interrupção da gravidez, mas que todas passam pela escuta social, onde são informadas dos seus direitos, para assim, tomar a decisão que quiserem.
“A paciente mulher vítima de violência e que por consequência veio a gestar, seja criança, adolescente, pessoas que gestam, mulheres adultas, mas que passaram por essa situação, agendam o atendimento conosco, pelo telefone 3345-3090, para ser realizado um acolhimento. Então cada entrevista nossa, por base, demora em torno de quase uma hora, então por isso que esses agendamentos são extremamente importantes”, explica a assistente social.
O acolhimento é feito de maneira que não revitimize a vítima, e sim ouça sem julgamentos essa mulher, que está procurando o serviço de saúde. Em caso de decisão pelo procedimento de aborto legal, é assinado uma série de termos, que estão dentro do protocolo de atendimento nesses casos.
Esse ano, o HU realizou 17 interrupções de gravidez legal, devido à casos de estupro, sendo desses, duas menores de idade, uma adolescente de 13 anos e outra de 15 anos.